A descoberta da real beleza


Nunca fui a mais bonita da sala. Mas felizmente também não fui uma menina que sofria de insegurança; pelo contrário, sempre fui bem atrevida e sabia me impor quando necessário – inclusive enfrentando com ousadia a tentativas de bullying de certos colegas de classe. 

Quando um garoto tentava tirar sarro de mim por qualquer motivo, eu dizia a ele o quanto devia ser difícil me amar tanto e não ser notado, a ponto de ter que ficar tentando chamar minha atenção. Alguns desistiam e logo paravam com a implicância. Mas me lembro de pelo menos dois que não desistiram, e seguiram tentando me perturbar por uns bons anos. Esses, sim, tenho certeza de que tinham uma queda por mim.

Sempre fui uma menina forte e confiante, mas sabia que não era considerada a mais bela das galáxias. Talvez, em termos de “beleza”, eu fosse considerada mediana. No entanto, mesmo não sendo correspondida nos amores fantasiosos de escola, nunca me faltaram pretendentes. Acho que sempre tive o que chamam de borogodó.

No final do 1º ano do Ensino Médio, um professor querido leu uma carta de despedida para a turma, na qual ele comentava as características mais marcantes de cada aluno. Ele comentou a beleza estonteante de uma aluna, o bom humor contagiante de outro aluno, e por aí vai. Na minha vez, não me esqueço, ele disse que era impossível resistir ao meu charme. No mesmo momento, me lembrei da minha mãe contando de um concurso de sua sala de aula, em que ela ganhou o prêmio de mais charmosa da turma.

Como falei, o tal do borogodó. A partir deste momento, passei a agarrar essa crença comigo, “sou charmosa” e, de alguma forma, acho que isso me ajudou na construção da minha autoestima. 

Anos depois, por volta dos meus 27, minha mãe me perguntou algo sobre relacionamentos. Não lembro detalhes do que respondi, mas soltei diversas palavras pessimistas dizendo como eu não preenchia nenhum item da lista de requisitos do que era uma garota considerada atraente nas festas que frequentava na minha cidade. Minha mãe se assustou com a rebeldia da minha fala, e eu também. Ao me ouvir em voz alta, percebi que precisava trabalhar minha autoestima, resgatar o meu “charme”. Eu precisava descobrir a minha beleza.

No livro “O Mito da Beleza”, Naomi Wolf explica como as imagens de beleza são usadas como uma forma de controle social contra as mulheres. Ela conta que, após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, quando as mulheres atuavam predominantemente apenas como donas de casa, o conceito de beleza era mais flexível.

Mas, afinal, quem dita o que é belo e o que não é?
Quem determina esse padrão sufocante?


Mas à medida que elas começaram a lutar por espaço no mercado de trabalho, o conceito de beleza foi se tornando mais rígido e prevalecente nas revistas femininas e na mídia como um todo, criando padrões inatingíveis.

Desta forma, além de já ter de enfrentar duas jornadas – a jornada do trabalho e a jornada de cuidar da casa – a mulher passa a gastar tempo e energia com uma terceira jornada: a busca por estar sempre dentro deste padrão.


Assim, além disso cultivar uma insegurança dentro dela, é estimulada uma competição com outras mulheres, mantendo as coisas exatamente como elas são.

Com este foco excessivo na aparência – que pode ser notado no aumento das cirurgias plásticas, nas dietas contínuas, na pressão pela juventude eterna – todos os aspectos da vida da mulher são afetados, desde o trabalho (no qual a “beleza” ou a falta dela é julgada em determinadas funções e espaços), até sua vida sexual e amorosa.

Enquanto a mulher não tem permissão para envelhecer, perdendo seu valor e sua visibilidade diante da sociedade, o homem que envelhece, o famoso grisalho, é considerado cada vez mais bonito e maduro.


Por que será que quando se referem à atriz Audrey Hepburn, por exemplo, que é muito mais do que a”bonequinha de luxo”, só destacam imagens dela jovem, sendo que ela viveu até os 63 anos?


Então, de fato, a beleza é uma pauta constante na vida de nós, mulheres, e nada disso é por acaso. Na minha jornada, quando percebi que precisava cuidar da minha autoestima, eu ainda não sabia a fundo quem eu realmente era. Em resumo, era alguém que começou a namorar aos 16, sendo uma menina, e terminou a relação aos 24, iniciando a descoberta do que é ser uma mulher.

Nos anos seguintes, dos 24 aos 27, na inconsciente busca pelo amor, colecionei desilusões amorosas uma atrás da outra. Histórias que, de alguma forma, me distraíram da jornada de conhecer a mim mesma. 

Pense comigo: você ama alguém que ainda não conhece? Então, como alguém pode se amar sem sequer se conhecer? Como é possível desenvolver amor por si mesmo, sem antes acolher suas falhas e imperfeições, e reconhecer suas potências?

Somente aos 27, quando me vi inteiramente sozinha, sem engatar em nenhum namoro por três anos, e sem sequer me relacionar com absolutamente ninguém por mais de um ano, é que fui abrindo espaço para me conhecer, e criar uma intimidade comigo. 

Não foi um “isolamento” proposital, e é claro que não é preciso deste extremo para se conhecer. Mas este foi o meu caso. Foi uma época difícil, sombria às vezes, mas muito necessária para meu processo.

O fato é que, nesta fase, buscando e estudando sobre autoconhecimento de maneira intuitiva, fui aprendendo a acolher quem eu era por inteiro, aceitando minhas sombras e enxergando a minha luz.

Pouco a pouco, fui me reconectando a minha essência, a minha criança interior e a minha relação com a escrita. Meu lado menina, poético, intenso – que eu estava abafando para sobreviver na vida adulta – voltou a pulsar de novo.

Para mim, a real beleza está aí; em enxergar que cada linha do seu corpo guarda a sua história, e ela é só sua. Suas vivências, seus aprendizados, seu olhar diante da vida, o rastro que você deixa por onde passa… São essas coisas que te fazem alguém único e belo.

A partir daí, fui me conectando com o que há de único em mim.
A virada de chave foi entender que beleza é sobre energia.
É algo que a gente emana de dentro pra fora. 


Talvez o maior desafio para enxergar beleza em si mesmo seja fugir da comparação. Neste processo, um aprendizado que vejo como libertador é praticar a aceitação de que sempre vão existir pessoas mais “bonitas” e “melhores” que a gente em diversos aspectos. Sim. Mais bonitas, mais inteligentes, mais tudo. Que seja. Mas nunca, nunca vai existir ninguém igual a você. E é aí que mora o seu poder.

E no que diz respeito ao que o mundo considera “beleza”, é essencial praticar o desapego, aos poucos, de atender a essas expectativas. Afinal, se este é o corpo que me foi dado para o resto da vida, onde habito 24 horas por dia, 365 dias por ano, só me resta acolher e cuidar dele com todo o meu amor.


PS: Eis aqui um registro de agora, dessa mulher que vos escreve, com suas ruguinhas que já começam a dizer olá, seu cabelo ondulado do jeitinho que ele é, e a cara quaase limpa se não fosse o corretivo de olheiras. Livre de inseguranças? Óbvio que não. Não sou imune a tudo isso. Mas sigo na busca por ser cada vez mais livre, e cada vez mais eu.

De fato, quanto mais madura uma mulher fica, mais consciente ela se torna do seu valor e do seu poder. E nos colocar nessa busca inútil por segurar o tempo e a juventude é, sem dúvidas, conveniente para uma sociedade que quer nos manter subordinadas, e para uma indústria que lucra com a nossa insegurança.

É importante deixar claro que este não é um texto condenando a cirurgias e procedimentos estéticos. No fim das contas, o mais importante é fazermos o que realmente queremos, sem ceder a imposições.

Vale a pena nos questionarmos: estou fazendo isso por desejo próprio ou porque o mundo me fez acreditar que este é o padrão para ser aceita?

Até porque, não importa o que façamos, jamais poderemos controlar 100% como as pessoas nos enxergam, e muito menos a passagem do tempo. Mas podemos tentar, todos os dias, olhar com mais gentileza para nós mesmas, e não nos render a essas pressões.

Por fim, ouso dizer: beleza, para mim, é ter tesão de viver. Não há nada mais sexy que uma pessoa que busca aquilo que lhe dá brilho nos olhos. Alguém que procura se desenvolver, aprender, ser sempre o melhor que puder ser. Não com a pretensão de ser superior a alguém, mas pelo simples prazer de crescer.

Acredito muito que, se você se encanta pela vida e busca dar um sentido a ela que vai além de posses e apegos, com foco em ser alguém melhor para si e para o seu entorno, você encontra prazer em SER.

E sendo cada vez mais quem se é, sua beleza exala, naturalmente. ✨

E para você, o que é beleza?

Com amor,

Renata Stuart

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