Coragem embriagada

Algumas pessoas têm uma relação no mínimo estranha com o álcool. Eu bebo socialmente, gosto de sentar para conversar e beber com os amigos. Seja vinho, cerveja ou destilados, o álcool parece deixar a alma mais leve, o ambiente mais descontraído, e as preocupações mais distantes (tudo ilusão).

Sem hipocrisia,  já exagerei na dose sem perceber que estava no meu limite e, sim, dei vexame. Quem nunca? Não, essa não é uma reflexão sobre alcoolismo. Pudera eu falar sobre esse problema sério que atinge boa parte da população. O fato que me assusta e me aflige é outro: há quem precise dessa substância no sangue para simplesmente SER. Ser em essência, de dentro pra fora, despir a alma, acender a luz e deixar visível o que quase ninguém vê.

Quem me conhece sabe que nunca precisei do álcool para colocar pra fora o que me incomoda.  Sou totalmente a favor de um mundo mais franco. Se estou chateada com você, vou te procurar, sóbria, para conversar e soltar o verbo. OK, não vou entrar nesse mérito, não é tão fácil ser assim e eu não espero que todos sejam. Ninguém é igual a ninguém. Uns preferem guardar o que sentem lá dentro e deixar o tempo consertar (colocar a poeira embaixo do tapete, em outras palavras).

O problema é quando a pessoa condiciona certos momentos ao álcool. Já chorei e pulei de alegria e até briguei bêbada, mas não preciso estar bêbada para chorar, pular de alegria e brigar. Uma coisa não depende da outra. É preciso se arriscar mais, se sujeitar a sentir mais, se entregar mais, sem a tal desculpa “eu tava bêbado, não lembro”.

Sabe aquele fulaninho que só sabe se divertir bebendo? Ou aquele que só desabafa e se entrega aos problemas quando enche a cara? E pior, aquele que só é verdadeiramente verdadeiro (a redundância é proposital) depois de uns bons engradados? Já vi gente que é só sorrisos e elogios em dias “normais”. Basta se entregar à bebida e começam as críticas, os dedos apontando falhas e a boca soltando mágoas há tempo guardadas. E até a inveja, às vezes camuflada no dia a dia, dá às caras e se mostra depois de uns drinks.  Sou do seguinte lema: tem algo te perturbando, remoendo, machucando? Respire fundo, vá em frente e resolva isso de cara limpa, não há nada mais covarde do que usar a bebida de escudo.

Da mesma forma, há quem seja frio e indiferente durante os dias de sobriedade e, basta alguns goles de uma cerveja barata, para abrir o coração e dizer o quanto ama ou precisa de alguém. Se amanhã o arrependimento bater, é mais fácil colocar a culpa nos efeitos colaterais da bebida…”foi papo de bêbado, liga não”. Nada contra quem distribui “eu te amo´s” depois de umas taças de vinho, eu mesma já fiz isso. Mas é preciso distribuir ‘eu te amo’ a quem nos importa, todos os dias, nem sempre com palavras, mas com atitudes, gestos, sorrisos.

Pois é.  O álcool diminui a censura, arranca máscaras, revela sentimentos.  Acho triste quem precise dele para se mergulhar nesse imenso mar de sensações que é a vida. A coragem embriagada vem fácil. Quero é ver a transparência sóbria, que nos coloca de frente – e por inteiro – com as dores e as delícias do viver.

Independente do que for, o bom mesmo é  s-e-n-t-i-r,  ao pé da letra, nos fortalecendo com aquilo que nos machuca e nos emocionando com o que nos faz bem. Por fim, concluo com um pensamento sábio que li por ai:  tem tanta gente com medo – da dor e da felicidade – que prefere viver anestesiado. 

Por Renata Stuart

Uma resposta

  1. Você como sempre brilhando com as palavras. …sou muito orgulhosa de você ter herdado esse seu gosto pela escrita de mim. …amo escrever e estou cada dia mais maravilhada com essa sua profissão. Hoje tenho certeza de que você fez a escolha certa pra você. ..seja feliz. Te amo !

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