Notas sobre o luto

A vida vai passando, tudo parece estar no lugar… até que, de repente, o lembrete: nem só de altos se vive. No pêndulo da vida, os baixos chegam para nos lembrar que jamais temos o controle. Não há nada mais previsto que o imprevisto. E não há certeza mais absoluta que a morte.


Quando a notícia chega, o soco no estômago é forte, uma mistura de negação com revolta. “Isso não pode estar acontecendo!”, “Eu não aceito!”, como se a gente sequer tivesse algum poder de decisão nisso tudo. 


Mas a realidade é amarga e fria. Há um velório para organizar, burocracias para resolver, pessoas para avisar, e uma roupa para escolher…Uma roupa para vestir alguém que, num sopro de vida, já não está mais aqui. 

Tudo isso enquanto a alma grita: “Como é possível que este corpo, que há tão pouco tempo estava respirando, agora esteja imóvel? Quem desligou esse interruptor sem avisar? 


O luto é confuso, não linear. Um breve lampejo de aceitação, logo seguido por uma avalanche de desespero. Enquanto essa oscilação persiste, a mente, lá no fundo, tenta entender: “e agora? como viver num mundo em que essa pessoa não está mais?”


O enterro acaba e o retorno para casa é o maior golpe. O vazio e o silêncio denunciam a verdade, sem a menor cerimônia. Por vezes, o autoengano parece um bom remédio, como quem pensa: “ele só foi dar uma saída, logo estará de volta.”

E, de forma brutalmente indiferente e cruel, a vida continua. Às vezes já no dia seguinte. As demandas reaparecem, o trabalho exige, e o tempo, implacável, segue seu curso. 


Cedo ou tarde, a ficha cai: Nunca mais. Nunca mais é tempo demais. Nunca mais é tempo demais para quem sempre tinha por perto o riso, o cheiro, o abraço, a voz. 


E ao mesmo tempo em que sabemos tudo o que nunca mais teremos, é impossível saber tudo o que ainda poderíamos ter. Momentos que a gente ainda iria viver. 


Nos sentimos roubados pela vida, ainda que racionalmente saibamos que somos nós que devemos tudo a ela. 


Não sei quem inventou que é mórbido falar da morte. Mas sei que essa rejeição só nos afasta de encarar a realidade. É urgente que a gente aprenda a encará-la de maneira natural.(eu também ainda não aprendi a fazer isso). 


Segundo o filósofo estoico Sêneca, refletir sobre as adversidades que certamente vão acontecer em algum momento pode ajudar a diminuir o dano, quando elas chegarem. Uma coisa é fato: quanto mais envelhecemos, mais perdas vamos vivenciar. Não há como escapar. 



E de onde vem tamanha dificuldade em lidar com a verdade? Será do apego que temos a essa vida? Agarramos este breve instante de existência temendo soltar aquilo que conhecemos. E se o segredo para aceitarmos a morte com mais naturalidade seja praticarmos o desapego? O desapego dessa experiência humana que, aos nossos olhos, parece ser tudo. 



Talvez devamos nos apegar somente a lembrar com gratidão de tudo aquilo que não morre: o amor, as trocas e as sensações. Já dizia o Dr. Brand “O amor é a única coisa que transcende o tempo e o espaço.” Gosto de pensar que, em algum espaço-tempo, aquelas palavras bonitas ainda ecoam, aquele beijo ainda existe, aquele abraço acontece. Aquele momento…vive.  


E quanto a nós, que ficamos?
Também morremos. Uma versão de nós deixa de existir. Um mundo todo que só existia com aquela pessoa se desmorona. 


O luto se torna, então, o espaço entre o que éramos e o que precisamos ser. A partida de quem amamos faz de nós um bebê, alguém que precisa (re)nascer e (re)aprender a viver. 


Enquanto se vive o luto, a única saída é lutar. Ainda que doa, ainda que seja difícil, ainda que pareça impossível. 


Então o famoso rei tempo avança. Tempo que não cura, tampouco traz acalento, mas sabiamente ensina: a dor segue, mas pode deixar de ser sofrimento. 


E no pêndulo da vida, mais uma vez, os altos retornam para nos lembrar: sempre vale a pena continuar.


                         altos

baixos

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