O caminho de volta pra casa

Não tenho certeza de quando foi a primeira vez que ouvi a palavra autoconhecimento. Mas me recordo de escutar a frase “Conhece-te a ti mesmo”, de Sócrates, em uma aula de filosofia no Ensino Médio. Na época, lembro que achei a frase curiosa e fiquei refletindo sobre ela sozinha.

Só sei que, na minha cabeça, tinha algo a ver com saber quais são meus gostos. Saber se eu prefiro praia ou cachoeira, noite ou dia, inverno ou verão.

Não fomos ensinados a nos conhecer. Já nascemos com um script pronto que, de forma geral, inclui crescer, estudar, conseguir um trabalho, casar, ter filhos, aposentar, curtir um pouco a vida e morrer.

É estranho dito assim, mas de fato chegamos com essa linha do tempo pré-definida e, mesmo que inconscientemente, seguimos dia após dia correndo atrás de cumprir o plano. E nesse roteiro, não está incluso conhecer a gente mesmo. Afinal, há muito o que se buscar e conquistar.

Como consequência, sem conhecer quem verdadeiramente somos, muitas vezes acabamos caindo na cilada de perseguir sonhos que nem são nossos. Acreditamos que felicidade é ter X ou fazer Y e assim vamos.

Talvez seus avós e seus pais até se deram bem com esse script, mas a cada dia está ficando mais claro que esse “modelo de sucesso” não funciona mais, pelo menos não pra todo mundo.  Quer pelo menos um indício? A saúde mental da população. Os números alarmantes de pessoas com depressão e transtornos de ansiedade no Brasil e no mundo não são por acaso.

As pessoas não estão felizes seguindo o script, tentando caber em caixinhas que não lhes servem e presas em rotinas que não refletem quem são. Sem falar que a vida não é mais linear como antes. Estamos no mundo VUCA – ou seria muvuca? – e, em meio a tantas transformações e possibilidades, ficamos ainda mais perdidos, ansiosos e pressionados.

Então qual a solução para encontrar SENTIDO se o caminho que nos foi ensinado não nos satisfaz?

Autoconhecimento. A viagem para dentro de si mesmo é o primeiro passo para construir o seu próprio script. Um script que te preencha e te faça feliz. Um script que tenha a ver com você.

Quando dizem que o autoconhecimento nos leva “de volta pra casa”, que também é o título deste artigo, é sobre o retorno que fazemos a nossa verdadeira essência. É sobre resgatar os desejos e anseios da nossa criança interior. A criança que, na tentativa de seguir o tal do script, foi moldada – para não dizer “podada” – pela sociedade.

O autoconhecimento é sobre buscar uma vida na qual você se sinta em casa. Isto é, uma vida alinhada aos seus valores. E não estou falando de encontrar o seu propósito de vida – aquele algo maior que te motiva a levantar todos os dias – , mas sobre compreender o que te move. Mais do que isso, autoconhecimento é também sobre entender o que está por trás de suas ações e reações. É sobre reconhecer o que te tira do eixo e aprender a retornar a ele também.

Mas o processo de se conhecer não ocorre da noite para o dia. É doloroso e até incomoda no início, afinal é completamente fora da nossa zona de conforto. As pessoas são ensinadas a buscar conhecimento científico, técnico e teórico, mas não estudam a si mesmas, não sabem lidar com as próprias emoções.

E não importa o quanto você busque desenvolver seu intelectual, é o autoconhecimento que irá te fazer crescer e ser uma pessoa melhor.

Então, se quer saber a verdade, não, não é confortável conhecer a si mesmo, viver no automático é bem mais fácil. Mas a clareza que você vai ganhando nessa jornada faz tudo valer a pena. Sobre o tal retorno para “casa”, ainda não cheguei lá. Apesar de saber que o “lá” mesmo não existe. O aprendizado sobre nós mesmos é eterno, e tem mais a ver com o caminho.

É como se vida fosse um trem acelerado cujo destino você mal sabe qual é, mas segue viagem porque lhe disseram que é o melhor caminho. O autoconhecimento te convida  a comprar seu próprio bilhete, sentar na janela e apreciar as paisagens do percurso. Na prática, a velocidade não mudou, mas agora você está confortável, pois se sente cada vez mais perto de casa.

Então se você está afim de embarcar nessa viagem para dentro de si, aperte os cintos e continue lendo esse artigo.

COMO INICIAR A JORNADA DO AUTOCONHECIMENTO

Lembrando que não sou psicóloga, terapeuta ou coach, mas uma autodidata que iniciou a jornada sozinha, com a ajuda da internet, meio que sem querer, em um momento pessoal da minha vida que me gerou muitos questionamentos. Então os passos a seguir são um compilado de tudo que aprendi e sigo aprendendo.

 1. Revisite a sua criança interior

Como você era quando criança? Digo, antes de te ensinarem que a vida é uma eterna batalha? O que você costumava fazer que te fazia feliz? Não é à toa que dizem que as crianças são sábias. Rubem Alves disse: “É dos sonhos que nasce a inteligência. É preciso escutar as crianças para que a sua inteligência desabroche.”

Quando chegamos aqui, sabíamos exatamente quem éramos e o que viemos fazer aqui. O problema é que o mundo faz a gente se esquecer.

Talvez você era muito bom em uma coisa, mas não foi incentivado a potencializar isso. Ao invés de investirmos em nossos talentos, somos ensinados a colocar mais esforço sobre aquilo que temos dificuldade e não gostamos. E, sem dúvidas, muitas oportunidades são perdidas com isso.

O fato é: tente se lembrar dos sonhos, atividades, e pensamentos da sua criança. Até mesmo aquela aula de natação, dança ou pintura. Pergunte aos seus pais ou quem te criou e se divirta fazendo essa investigação.

Em seu livro “Propósito”, Sri Prem Baba diz:

“Enquanto adultos conscientes, o nosso trabalho é resgatar a inocência perdida, a espontaneidade e a pureza da criança em nós, pois assim poderemos resgatar também a alegria e a leveza de viver.”

     2. Questione seus gostos e prazeres

Uma forma simples e prática de se autoconhecer é buscar entender a raiz de suas preferências. Por que você gosta do que você gosta? Quais livros e filmes você mais ama? Quem são as personalidades que você mais admira? Quais perfis você acompanha nas redes sociais?

Tudo isso, apesar de parecer simples, diz muito sobre você.  Escreva sobre o que mais te agrada nesses gostos e prazeres e tente encontrar um ou mais pontos em comum entre eles. Essa atividade pode te dar pistas sobre o fio que te conduz pela vida.

      3. Tenha mais PRESENÇA

Experimente viver com mais presença. No dia a dia, estamos sempre fazendo uma coisa e pensando em outra. Isso nos deixa no modo automático e nos impede de perceber a nós mesmos.

Ao comer uma fruta, por exemplo, sinta o sabor, a textura, o cheiro dela. Ao lavar as mãos, sinta a água escorrer nas suas mãos, note a temperatura dela.

O mindfulness, ou atenção plena, nos deixa em estado de alerta e mais conscientes de nossos pensamentos, sentimentos e ações.

   4. Seja um observador de si mesmo(a)

Esse item está inteiramente relacionado ao anterior. Estando mais presente e consciente, você passa a observar mais a si mesmo. Enxergue-se como uma pessoa de fora. O que você tem pensado, sentido e falado? O quanto você reclama? Você tem julgado muito os outros?

Se possível, faça anotações para rastrear hábitos e pensamentos que até então eram automáticos. Por exemplo, faça um risco no papel toda vez que você tiver um pensamento negativo, fizer uma reclamação ou julgar alguém. Isso vai colocar luz sobre muitas sombras que você carrega dentro de si. Todos carregamos.

E o autoconhecimento chega justamente para acender a luz e nos mostrar a nossa bagunça interna. Afinal, não há como limpar ou tratar o que não é visto.

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Leia também: Sua batalha diária é contra você mesmo
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     5. Reconheça as vozes

Nossa mente está sempre tentando assumir o comando. Eckhart Tolle, em O Poder do Agora, afirma que nós não somos a nossa mente. Nós nos identificamos com ela, mas ela é apenas uma ferramenta para essa experiência humana.

Viver com mais presença e consciência te ajuda a reconhecer e se desvincular dessas vozes. Lá dentro, há a voz da vítima, da sabotagem, do medo, da culpa. São vozes que nos limitam e nos bloqueiam, pois nos fazem acreditar que somos incapazes.

Para uma vida mais leve, precisamos ter uma boa relação com nossa própria mente. E isso significa observá-la, mas sem dar tanto poder a ela. Reconheça quando as vozes surgirem, mas deixe que elas desapareçam.

     6. Atente-se aos gatilhos

Quando você se sentir mal por algum motivo e sair do seu eixo, seja perdendo o controle emocional ou tendo uma compulsão alimentar, por exemplo, observe o que aconteceu para te deixar desse jeito.

Foi algo que te falaram? Um pensamento? Algo que você viu? Por que isso te incomoda? Reflita, escreva de forma intuitiva, sem racionalizar muito. Aceite o que vier e não negue. Reconhecer os padrões que você carrega é importante para jogar, mais uma vez, luz sobre o que queremos melhorar.

Os padrões existem, mas não te definem. Permita que as fichas caiam, mas não as alimente. Deixe elas passarem e siga em frente. O processo não se trata de se culpar, mas sim de se compreender.

   7. Revisite a sua história

Quais os momentos que mais marcaram a sua vida? Quais foram os impactos negativos e positivos? Por que eles são importantes para você? Quais conquistas e aprendizados se destacam?

Ao olhar pra trás e identificar esses momentos-chave, questione porque eles te marcaram de alguma forma. O que estava em jogo? O que eles te proporcionaram de positivo ou negativo? Ou o que foi que você não encontrou ali e que era fundamental para você?

Nossas histórias moldam nossos valores. Tudo o que vivemos vai definindo o que é realmente importante pra gente. E esses valores são impulsionadores inconscientes de nossas ações, atitudes e decisões.

No entanto, muitas vezes não sabemos claramente quais são nossos valores, e acabamos tendo comportamentos e experiências que não condizem com eles. Afinal, temos crenças e um script que nos impedem de investigar o que realmente nos motiva.

E seguir a vida sem saber o que te move, sem saber o que pulsa dentro de você, é como andar em círculos.

    8. Aprenda a ter autorresponsabilidade

Uma palavra inseparável do autoconhecimento, na minha opinião, é a autorresponsabilidade. Quando passamos a nos conhecer, uma das verdades dolorosas a serem encaradas é a de que nós somos responsáveis pela nossa realidade.

É óbvio que não podemos controlar tudo o que acontece com a gente, mas temos sim o poder de escolher como reagimos. Trata-se do que você faz com o que fizeram de você.

Transferir a culpa para o outro ou para as circunstâncias externas é sempre mais fácil, mas não nos tira do lugar. Enquanto você acreditar que o problema está nas mãos dos outros, você não terá uma postura ativa de se movimentar.

Então, se você está infeliz com seu trabalho, por exemplo, ao invés de apenas reclamar toda segunda-feira, você tem três opções: 1. aceitar e se conformar, 2. ressignificar o modo como você encara seu trabalho ou 3. partir para outra. A escolha é sua. Em qualquer situação que te incomoda, você tem a opção de aceitar, tentar mudar seu olhar sobre aquilo ou colocar a mão na massa e fazer algo para mudar.

Enfim, esses são apenas alguns dos passos possíveis para você começar a se conhecer um pouco mais. O autoconhecimento deveria ser o princípio de tudo, mas, infelizmente, a realidade é que as pessoas demoram anos para se conhecer.

Então espero que você tenha se convencido, pelo menos um pouco, de que o autoconhecimento te liberta para você ser quem você verdadeiramente é. Não mais refém das emoções, escravo da mente ou tentando caber em espaços que não são seus.

Conhece-te a ti mesmo.

E pouco a pouco, mais do que apreciar a paisagem da janela do trem, você vai se dar conta de que você é o motorista e o arquiteto da sua própria história. E não, ela não é sobre chegar a algum lugar. Ela é sobre SER. Sobre quem você se torna no percurso. Sobre simplesmente SER você.

 

Por Renata Stuart

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