O dia em que conheci o Celton das revistas

Era uma tarde de domingo, 6 de janeiro de 2019, em um bar na Savassi, em Belo Horizonte. Estávamos eu, um primo e uma amiga chilena que visitava a cidade. Era o penúltimo dia dela aqui, e estávamos em clima de despedida, mas, ao mesmo tempo, um clima de começo, novo ano, novos ares, novas oportunidades.

Recebê-la aqui me fez um bem danado, nos conhecemos em Dublin, na Irlanda, onde morei por mais de 2 anos, e assim como eu, ela é fã de conexões, de pessoas, de histórias. Não é à toa que somos ambas jornalistas.

Estávamos conversando e eis que, da mesa do bar, eu avisto de longe um senhor segurando uma grande placa que dizia: “Estou vendendo revistas em quadrinho que eu mesmo fiz para você se divertir.”

Achei aquilo o máximo e acenei pra ele se aproximar. Senti que eu já tinha visto ele outra vez, talvez no trânsito, quando eu era mais nova, mas ele me era familiar de alguma forma. Ele se aproximou, eu pedi uma revista para dar uma olhada e fiquei impressionada com o que vi.

Uma revista em quadrinhos muito bem feita, com ilustrações impecáveis e um acabamento de primeira. Fiquei ainda mais impressionada com o que li no verso. Era um texto ousado, contando sobre como ele faz para manter esse projeto vivo há 36 anos, passando por situações embaraçosas na rua e, muitas vezes, pensando em desistir. Quase como um tapa na cara, ele dizia:

“Não tem segredo. Celton é tão exposto, que não tem segredo. É a fórmula mais simples de todas: pare de ter ideias geniais e entre em ação. Comece, que as saídas aparecem. É alma, é paixão”.

Aquilo de certa forma falou comigo e me tocou. Sou fã de pessoas que vivem a sua verdade, que tem um propósito maior, que vão à luta independente das circunstâncias.

Revista Celton

Comprei a revista e começamos a conversar com Celton, cujo verdadeiro nome é Lacarmélio. Ele se mostrou incrivelmente autêntico, simples e sábio. Pedi que ele se sentasse e tomasse uma cerveja com a gente, e ele se recusou de início, dizendo que aquilo não era comum. Aos poucos, foi ficando à vontade e se sentou.

Durante a conversa, ele perguntou por que minha amiga era tão calada, e eu logo expliquei que ela não falava português. Num instante, ele começou a falar em inglês para que ela entendesse, e Celton então nos surpreendeu com um inglês muito bem falado, por sinal.

Ele contou que estudava sozinho, ouvindo repetidamente áudios que ele tem no celular. “É um celular velho e antigo, não faz muita coisa, mas tenho esses arquivos salvos há muito tempo. É só querer, não tem desculpa, eu escuto esses áudios centenas de vezes, escuto, repito, escuto, até que meu cérebro simplesmente absorve”, disse.

A conversa fluía de um jeito absurdamente natural e percebemos ainda que Celton tinha uma capacidade muito grande de ler as pessoas. Não sei explicar, mas ele dizia coisas sobre cada um de nós que fazia total sentido, e nos dava recados em forma de enigmas, frases soltas no estilo conselheiro, mas que cabiam exatamente ao nosso contexto. De repente, ele disse: “Espera, vou ali buscar uma coisa e já volto”.

Celton então voltou com um violão. “Não pode ser coincidência que eu deixei esse violão guardado num restaurante aqui perto. Eu ia levar pra casa esses dias, mas resolvi deixar. Era pra esse momento”, contou alegre.

A partir daí, nossa noite ganhou música! Cantamos clássicos em português e inglês e até compomos uma música, cujo refrão eu improvisei. “He was a guy selling magazines and we asked him to stay. One thing I have to say…those things don’t happen every day.” E não acontecem mesmo.

Quantas vezes saímos da nossa zona de conforto, do nosso círculo de amigos, para conhecer gente nova? Quantas vezes nos interessamos em conhecer o mundo do outro? Quantas vezes deixamos o outro entrar no nosso mundo?

Diariamente, passamos por centenas de pessoas, e são raros os momentos em que saímos da nossa bolha para um contato visual ou verbal.

Quantas oportunidades perdemos? Perdemos a chance de aprender com o outro, crescer com a história do outro, evoluir com a visão do outro.

Para mim, esse é um dos principais sentidos de estarmos aqui, nessa vida: aprender.

E por que não aprendermos uns com os outros? Por que não reaprendermos a sermos mais humanos, mais olho no olho, mais simplicidade, mais off-line?

Bom, essa foi apenas uma das lições que tirei daquela noite inspiradora. Lacarmélio, ou Celton, como gosto de chamá-lo, também me ensinou sobre força de vontade, sobre fazer acontecer, sobre acreditar em si mesmo.

A vida não espera alguém aparecer e patrocinar os seus sonhos. É você quem deve se mover, tendo como combustível a paixão e a coragem!

Que possamos todos ter um pouco da ousadia e da garra de Celton para correr atrás de ocupar o lugar que nascemos para ocupar!


Confira abaixo um pequeno trecho da nossa noite regada a música e troca sincera:

E também o texto do verso da revista na íntegra!  🖤

 

 

2 respostas

  1. Conheci celton ainda no início as vezes encontro ele em um destes engarrafamento de nossa capital. Ele tinha uma loja na Av Amazonas e te vez enquanto aparecia na gráfica do Luiz pra saborear um cerveja e uma cachaça.

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