O quão cheia pode ser uma página vazia?

Era um dia de sol escaldante. Eu havia acabado de chegar em uma nova cidade, em busca de levantar voo e voltar a respirar ar puro, após soltar as amarras de uma relação sufocante que tentou cortar minhas asas.

Eu não sabia absolutamente nada do que viria a seguir, mas estava extasiada pela página em branco que se exibia ali, diante de mim, tão desnuda e estimulante.

“Como uma página vazia pode ser tão cheia de vida?” Me perguntei enquanto colocava minha bagagem no barquinho que me levaria para aquela que seria “minha casa” a partir daquele fim de tarde, na pitoresca vila de pescadores no leste da ilha de Florianópolis.

Nos três minutos daquela travessia, o silêncio da lagoa sussurrou segredos lindos em meu coração. Segredos que nunca vou esquecer. Sim, eu não sabia absolutamente nada do que viria a seguir, mas eu não precisava saber para ter a certeza de que estava no lugar certo, na hora exata, em tempo de receber aquele novo “eu” que tanto me implorava para nascer. 

De lá pra cá, tanta coisa aconteceu. Me lembro de acordar em uma manhã com muitos pensamentos e dúvidas. Fui dar uma corrida na praia para espairecer e, ao terminar, percorri uma trilha escondida, que desembocava numa pedra, com uma pequena piscina natural e uma vista para o Farol do outro lado da praia. Me deitei na pedra, fiquei sentindo a luz do sol sobre meu corpo por uns instantes e, ao olhar para o céu, avistei um belo show de pássaros começando bem ali, diante de mim.

Os pássaros desciam cada vez mais, e dançavam bem perto de mim. Foi um show exclusivo, todinho para mim. Naquele momento, a resposta que eu buscava veio em minha mente com muita clareza: “Você já tem asas, então o que está esperando para voar?”

Floripa foi a cidade que me confirmou que, sim, eu queria viver um estilo de vida em movimento, eu queria, sim, experienciar a liberdade de ter o mundo como minha casa, mesmo sabendo do preço que se paga por isso. E eu não estou falando de dinheiro.

Floripa não só me revelou pássaro e me instigou a voar, mas também foi onde encontrei outro pássaro, disposto a ir comigo, que hoje é meu companheiro. Uma história bonita que talvez um dia eu conte em detalhes. Ou talvez eu seja egoísta a ponto de querer que os pormenores dessas páginas sejam só nossos.

De lá, decidimos voar juntos sem roteiro pré-definido, descobrindo e explorando duas conexões em paralelo: primeiro, a conexão com o mundo, e segundo, a nossa conexão, como um casal, que foi se aprofundando em movimento, numa velocidade absurdamente rápida e natural.

Começamos em Buenos Aires, onde dividimos o frio, muitos cafés e medialunas, depois subimos para o norte da Argentina, desbravando povoados e paisagens inimagináveis e morando com um senhor querido que já recebeu cerca de 600 viajantes em sua casa. Em seguida, uma rápida passagem por La Paz, na Bolívia e, por fim, o Peru, onde realizamos o sonho de conhecer o Machu Picchu e moramos em uma fazenda no interior.

Juntos, vimos com nossos próprios olhos as tristes consequências da colonização, as contradições dolorosas do turismo, aprendemos um novo idioma, lidamos com altitudes acima de 3000m, sentimos amor por desconhecidos e muito mais descobertas e perrengues do que você possa pensar.

Após tantas andanças, viajei sozinha por mais alguns meses, o que foi extrememante importante para fincar meus pés e afiar minhas asas como viajante, e então nos encontramos novamente em Florianópolis, no final de 2022. Dessa vez para dividir um lar por alguns meses e entender também como é a nossa conexão na quietação e na previsibilidade do dia a dia.

Escrevo tudo isso porque, daqui a exatos dois dias, vamos juntos, mais uma vez, para esse lugar, escrever mais um capítulo desta história. Após uma intensa aventura de quatro meses pela Bahia e um início de ano visitando nossas famílias, é hora de retornar à ilha a qual vez ou outra a gente escolhe se prender.

É certo que ainda temos muito a caminhar, somos almas soltas, e não há como evitar. Mas estamos entendendo que definitivamente não temos pressa. Por hoje, vamos atender ao chamado desse lugar mágico que nos uniu. Criar rotina, correr pela manhã com a leveza de estar no nível do mar, e ter um lar para chamar de nosso, ainda que por alguns meses.

Escrevo isso também para encorajar você, que talvez tenha medo da página em branco, que evita a todo custo o desconhecido. Eu não sabia que viveria tudo isso após o simples fato de me movimentar – de forma intuitiva – para um novo capítulo. Ainda bem. Até porque eu não seria capaz de criar um roteiro desses. Viva as supresas da vida.

O quão cheia pode ser uma página vazia?

Onde não há nada, tudo é uma possibilidade.

Eu espero que você não tenha medo das incertezas que moram no “não saber” o que vem a seguir, e experimente encarar o novo como uma oportunidade para mudar algo, se expandir ou colorir essa página em branco com a cor que você quiser.

Esses momentos de transição, entre o que foi e o que ainda será, costumam doer. Mas fugir desses sofrimentos é também fugir das transformações.

Como disse Rubem Alves, em seu texto “Milho de Pipoca”, o milho, dentro da panela quente e fechada, pensava que ali seria seu fim, sem imaginar a transformação que ocorreria a seguir. Eis que, ao passar pelo poder do fogo… BUM! Ele aparece de maneira completamente diferente, além do que ele podia sonhar.

Se você está evitando passar por algum fogo, seja ele uma decisão difícil, deixar uma relação que machuca ou qualquer mudança necessária, eu desejo que você se lembre das histórias que te aguardam do outro lado.

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