Resenha do filme “O Milagre da cela 7”

Sabe aqueles filmes que te desmontam? Foi assim que me senti assistindo “O Milagre da Cela 7”. Um mix de sentimentos como indignação, tristeza, raiva, amor. Chorei muito durante todo o filme e, ao terminar, tive a certeza de que eu precisava externalizá-lo em um texto.

Refleti tanto sobre ele que resolvi pegar o gancho para escrever sobre um tema importante: a psicofobia. Não, não sou psicóloga, mas sim uma entusiasta no que se refere a temas como desenvolvimento humano, saúde mental e autoconhecimento. Meu objetivo aqui, então, é apenas elencar algumas lições bonitas sobre o filme – sem spoiler, eu juro! – e, por que não, lembrar de um preconceito ainda pouco falado na sociedade.

O filme conta a história de Memo, um jovem turco que tem deficiência mental e mora em uma pequena vila na Turquia, junto com sua avó e sua filha Ova. Logo no início, é impossível não se apaixonar pela inocência e a pureza de Memo.

Seus problemas cognitivos não o impedem de ser um bom pai, pelo contrário, ele faz de tudo para ver sua filha feliz, como vender bombons na festa da vila a fim de juntar dinheiro para comprar a mochila que ela tanto queria. Momentos simples, como o trajeto da casa para a escola, se tornam especiais para os dois, que amam estar na companhia um do outro e se divertem com a leveza de um amor genuíno.

Toda vez que eles se encontram, o grito de guerra é “Lingo, Lingo”, expressão cuja origem é uma canção tradicional de folclore turco e significa “garrafa”. O significado por si só não tem relevância, mas o cantarolar é algo que conecta os dois.

Os colegas de classe de Ova chamam seu pai de “maluco”, “idiota” e “retardado”, mas ele não liga e nem recebe nenhuma dessas tentativas de ofensa, pois está sempre ocupado demais sendo feliz com sua filha. A garota, que sabe que há algo de diferente em seu pai, questiona sua bisavó, Fatma . Essa cena, apesar de sutil, é uma das mais marcantes para mim.

Quando Fatma responde que Memo tem a mesma idade que Ova, os olhos da menina brilham de orgulho e encantamento. Ter um pai da sua idade soa como um presente divino pra ela. De fato, Ova era sortuda. Em uma época cuja criação era rígida e o machismo imperava, abraços e troca de carinhos entre pai e filhos eram raridades ali.

A INJUSTA PRISÃO

Uma das colegas de classe de Ova secretamente admira a relação dela com Memo, algo impossível de se ter com seu pai, que é um importante comandante do exército frio e sério. E é a partir deste ponto que o filme muda de figura e se torna absurdamente triste.

Durante um evento da vila, a filha do comandante se depara com Memo e tenta iniciar uma brincadeira com ele, algo que ela claramente desejava ter com seu próprio pai. A menina sai correndo e chama por Memo, que se diverte como uma criança atrás dela. Ela avança em direção às pedras de um penhasco, e ele pede que ela pare, pois percebe o perigo daquela situação.

No entanto, o pior acontece. Ao escorregar, a garotinha bate nas pedras e cai no rio, morrendo instantaneamente. Memo pula na água para resgatá-la e tenta incessantemente acordá-la, mas não há o que fazer. Desta cena em diante, ele vive um verdadeiro inferno.

O comandante abusa de todo seu poder e, após espancar Memo em uma sala vazia, falsifica um atestado de sanidade mental para ele e o manda para um presídio de grandes criminosos, solicitando, ainda, sua pena de morte. Na cela,  Memo sofre ainda mais agressões físicas quando os outros presos descobrem que ele “assassinou” uma garotinha.

O MILAGRE

Apesar de todo o sofrimento, a pior punição para Memo é ficar longe de sua filha “Ova”. Sim, o comandante também usa de seu poder para proibí-lo de receber qualquer visita.

Não vou entrar em detalhes sobre o que acontece a seguir, pois não quero entregar toda a trama. Há algumas teorias interessantes na internet sobre o final que vale você conferir depois de assistir.

Mas, para mim, o verdadeiro milagre da cela 7 é a transformação que Memo causa em todos do presídio pela sua simplicidade e leveza diante da vida e pela sua paternidade exemplar, com um amor e um cuidado incondicionais por Ova.

Outras lições que Memo nos dá são:

Forte presença no agora: Apesar de todo o sofrimento, Memo não perde a capacidade de observar os detalhes, como os pássaros que sempre lhe chamam a atenção por onde ele passa. Ele nos lembra de acordar a nossa criança interior, aquela cuja essência foi podada pela sociedade e pelas seriedades da vida adulta;

Resiliência: Apesar de ter sido injustiçado, agredido e de estar diante da pena de morte, ele se mantém firme e se levanta, diariamente, com coragem diante da vida;

Perdão: Na pureza do coração de Memo, não há espaço para mágoa, nem mesmo de quem o machucou fisicamente. Pelo contrário, ele vê cada prisioneiro da cela como um amigo.

É claro que muito da atitude de Memo se deve a sua deficiência mental, mas independente disso, creio que há belas mensagens e ensinamentos nas entrelinhas de cada coisa que ele faz.

PRECONCEITO E BULLYING

Enquanto assistia ao filme, não pude deixar de pensar nas pessoas que sofrem alguma doença mental e precisam enfrentar o preconceito diariamente, na rua, na escola, no trabalho.

Meu primo Guilherme, de 11 anos, tem um transtorno mental semelhante ao de Memo, além de TDHA, e já foi chamado de louco inclusive por uma professora da escola pública em que estuda, além de já ter sofrido bullying pelos colegas.

Não é preciso ser profissional da saúde para prever o quanto isso agrava ainda mais o quadro psíquico dele, né? Por não ter condições de pagar uma escola privada, onde é possível ter mais respaldo dos educadores e diretores, meu tio acaba ficando refém do sistema público de educação, infelizmente.

PSICOFOBIA

Apesar de ainda pouco falado, o preconceito contra portadores de transtornos e deficiências mentais tem nome: psicofobia.

Abril é o mês de enfrentamento à Psicofobia e o último dia 12, data em que eu assisti o filme coincidentemente, é tido como o Dia nacional de combate à psicofobia, instituído pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

A data é em homenagem ao nascimento do humorista Chico Anysio, patrono da campanha da ABP que teve início em 2011. Segundo o site da iniciativa, Chico Anysio sofreu de depressão por 24 anos e, antes de sua morte, contou que não teria produzido nem 20% do que produziu durante a carreira se não tivesse recebido tratamento psiquiátrico.

De acordo com Alessandra Pereira, membro da ABP, o que causa a psicofobia é a falta de informação e a ignorância, isto é, a ausência de educação em saúde mental é a principal culpada por esses estigmas.  Apenas no Brasil, são 50 milhões de portadores de transtornos mentais e a América Latina está em 3º lugar no ranking mundial.

Mesmo nos transtornos mentais em que não se configura insanidade mental, há um grande preconceito por parte das pessoas. Os diagnósticos variam entre Depressão, Transtornos de Humor, Transtorno de Déficit de Atenção, Transtornos de Personalidade, Transtorno de Ansiedade, entre outros.

Pelo tabu que se é criado em torno dessas doenças, o paciente muitas vezes não se aceita, e nem a sua família, e demora a buscar a ajuda, retardando o diagnóstico e o tratamento.

Com receio de ser rotulada de “louca”, a pessoa com algum tipo de doença mental leva uma média de três anos para ir até um consultório de atendimento médico especializado.

NO AMBIENTE DE TRABALHO

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a psicofobia, muitas vezes, afasta o portador de doença mental do convívio social, já que a pessoa prefere se isolar para não enfrentar o preconceito.

Pesquisando sobre o tema, encontrei essa notícia sobre o caso de uma jornalista que, depois de ser aprovada em todas as etapas de um processo seletivo para uma vaga de trabalho, foi desclassificada ao revelar, no exame admissional, que era diagnosticada com transtorno bipolar e borderline.

O fato é: enquanto o tema for tratado como um tabu entre os membros da família, amigos e colegas de trabalho, enquanto houver desconhecimento sobre as doenças, o preconceito existirá, as pessoas continuarão a demorar a procurar tratamento e empregadores continuarão achando que os transtornos são prejudiciais à performance do profissional portador de doença mental.

Para finalizar este artigo, coloco aqui um dos vídeos feitos pela ABP, que retrata um pouco desse preconceito. No site https://www.psicofobia.com.br/ tem vários outros vídeos fortes da campanha que, na minha opinião, todo mundo deveria assistir.

E vocês, já assistiram o filme do Memo? O que acharam?

Já conheciam o termo psicofobia? Comente aqui embaixo e vamos conversar! <3

 

Por Renata Stuart

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