A frustração de estar presa em apenas um corpo

Começo a escrever esse texto e preciso escolher um caminho para a narrativa. Por onde inicio? Como devo guiar o leitor? Eu poderia arranjar as palavras de inúmeras formas, mas escolhi essa, do jeitinho que você está lendo. Por quê? Porque eu precisava escolher, e essa foi a que me pareceu a melhor opção no momento. Mas uma escolha consiste em deixar outras para trás. “Cada escolha uma renúncia”, já dizia o poeta Charlie Brown Jr. Assim é na escrita, assim é na vida.

Escolhi fazer jornalismo e hoje trabalho com produção de conteúdo. Ao fazer essa escolha, deixei para trás outras versões de mim que nunca vão existir. A atriz, a psicóloga, a DJ, a saxofonista. Não que eu não possa mudar de profissão – sempre é possível! Às vezes penso que um dia farei Psicologia e, lá no fundo, ainda guardo uma vontade secreta de ser atriz.

Mas meu ponto aqui é: mesmo que eu mude de profissão amanhã, deixarei outras dezenas de opções para trás. E isso se estende para tudo. A cidade em que escolho morar, o estilo de vida que decido abraçar, as pessoas que elejo para me relacionar, os hábitos que me esforço para cultivar, as habilidades que me dedico para aprender e aprimorar.

Todas essas escolhas eliminam tantas outras. Isso me faz pensar sobre a dualidade da vida, que tem um poder criador e um poder destruidor: sim, uma única vida destrói todas as outras que seriam possíveis.

Há poucos meses, navegando nas redes sociais, esbarrei com a palavra ONISM, que significa a frustração de estar preso em apenas um corpo que habita apenas um lugar por vez. No momento em que descobri o conceito, foi como se tivesse decifrado um código que me habitava todos esses anos. “É isso, acho que tenho isso!”, pensei.

A definição faz parte do Dicionário das Tristezas Obscuras, que é uma coletânea de palavras inventadas pelo artista John Koenig, que traduzem sentimentos e emoções que as pessoas geralmente não sabem explicar.

Refletindo sobre esse sentimento, cheguei a conclusão de que talvez a maneira que encontrei para tentar driblar um pouco – embora sem sucesso –  essa frustração, seja a vida em movimento. (para quem não sabe, desde novembro de 2021, não tenho endereço fixo, e vou me mudando seguindo o ritmo e o trajeto que o GPS do meu coração indica, e o que meu bolso pode pagar haha.)

Vivo assim porque quero conhecer minhas versões da praia, das montanhas, do campo. Me apavora um pouco a ideia de viver para sempre na mesma cidade, ir aos mesmos lugares, ter o mesmo estilo de vida e a mesma rotina para sempre. Não quero que o roteiro da minha existência seja tão previsível, ainda sabendo que na verdade nunca é – surpresas fazem parte do pacote.

Mas me recuso a ter um script tão definido. Quero poder acordar e, de repente, decidir viver um tempo na Índia, numa vila no interior da França, ou quem sabe num povoado no norte da Argentina, sei lá. Experimentar o lifestyle carioca, gaúcho, baiano. Desfrutar dos luxos da vida urbana em uma cidade grande com belos cafés e depois correr para uma casinha no meio do mato, vivendo uma vida leve, simples e abarrotada de natureza.

Quero ter a liberdade de escolher o que fizer sentido para mim, naquele momento. Sem dúvidas, um privilégio do qual tenho consciência, não apenas pelo trabalho remoto, mas por ter nascido nessa era digital que permite isso. O que não quer dizer que esta seja a melhor forma de viver, (até porque há muitos desafios e não quero romantizar) mas é o que vibra dentro de mim hoje.

Chego a pensar que até aquele antigo sonho de ser atriz deve ter raízes nessa inquietação: o anseio de ter muitas vidas, ainda que nos personagens. É, acho que tenho mania de querer demais. Ou talvez eu só não queira ser sempre a mesma. Quero a constante descoberta de hobbies novos, desenvolver habilidades que jamais imaginei ser capaz e me aventurar em esportes que nunca tentei.

Diante de tanta sede de vida, é frustrante constatar a verdade: vamos experienciar muito pouco perto de todas as possibilidades que o mundo tem a oferecer. Não dá pra ter tudo. Não dá pra gente se multiplicar e ter várias vidas distintas acontecendo em tempo real, em realidades paralelas.

No entanto, acredito que mais frustrante do que estar presa(o) em um único corpo, é o sentimento de não estar aproveitando bem o corpo que temos, ou seja, a breve e única chance que nos foi dada.

Se só temos uma oportunidade, que a gente saiba usá-la com sabedoria, sempre percebendo se nossos dias, um por um, estão sendo vividos de maneira coerente com a vida que queremos para nós. Que possamos nos reinventar, sempre que necessário, e criar um script novo, de novo, e de novo.

Por aqui, sigo tentando fazer bom uso do tempo que me resta neste corpo. Às vezes acertando, às vezes errando. Mas nunca desistindo daquilo que me faz sentir mais viva. E por aí?

Finalizo este texto com uma parte da música “Lose Yourself”, do Eminem, da qual meu amigo Allan Ferreira se lembrou ao ler esta reflexão:

Se você tivesse uma chance ou uma oportunidade
De aproveitar tudo que você sempre quis em um único momento
Você pegaria
ou só deixaria escapar?

 

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