Sobre o prazer de dirigir

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Mais um dia comum se iniciava. A manhã passou voando e ela, como sempre, não teve tempo de resolver todas as coisas que tinha em mente. Estava mais uma vez almoçando às pressas para ir para o trabalho. Escovou os dentes, jogou uma fruta dentro da bolsa e pegou as chaves, da casa e do carro. Joga a bolsa no banco do passageiro, se ajeita, coloca o cinto, fecha os vidros e liga o som.

Parece bobagem, mas o simples percurso da casa ao trabalho era para ela um lazer. Como amava dirigir. Ali dentro era sua bolha, seu lugar de “repouso” em movimento, seu canto de reflexão, mas sem perder a concentração. Com seu CD favorito tocando, ela esquece da vida.  Um momento dela e dela mesmo, hora sagrada. No meio da multidão no trânsito e, ao mesmo, tempo, sozinha, isolada, reservada por trás dos vidros fechados do carro. Enquanto espera o sinal ficar verde, passa o batom e, se der tempo, o lápis de olho. Se não der, ela espera pelo próximo. Às vezes, desliga o ar condicionado, abaixo os vidros e deixa o vento bater em seu cabelo solto. Piegas, sim, mas aquela sensação de liberdade era a melhor coisa do dia para ela… A liberdade de poder ir e vir.

O dia podia ser um tédio, mil problemas para serem resolvidos, mas, durante o volante, quem comandava era a paz de espírito, a harmonia interior. As pessoas deviam pensar: “que menina boba, tudo isso porque está dirigindo? Todo mundo dirige e não ficam mais felizes por isso.”Mas ela não dirigia só por necessidade de locomoção, também dirigia por prazer. Talvez porque seu signo lhe impunha uma certa vontade de comandar, de liderar, de se sentir independente…Na verdade, não estava comandando nada, apenas o próprio caminho, e isso lhe bastava.

Nem o trânsito intenso e os “motoristas de domingo”, sem educação e desprovidos de respeito, tiravam esse momento dela. Tudo bem, ela também não era assim tão boa samaritana ao volante, de vez em quando se irritava com algum indivíduo imprudente que ultrapassava sem dar seta, ou um motoqueiro com poder de invisibilidade que surge cortando pela direita.Às vezes soltava um palavrão para si mesma e resmungava, mas depois ria sozinha, imaginando como a pressa parece ser a única coisa que move todos … Pensando, romanticamente, que as pessoas deviam ser movidas pelo amor, pelo sorrisos, pelos instantes inesquecíveis, pelo prazer . “F****. Que o trabalho espere, que a reunião aguarde, que o horário com o médico fique para quando der”. E assim estacionava o carro com seus pensamentos mirabolantes. No fim do dia, depois de muito trabalho, mais uma vez era hora de se sentar consigo mesma e refletir em movimento, sua terapia em monólogo mental. Desta vez, refletia sobre o dia que se passou, sobre o que fez, o que não fez e o que ficou para amanhã.

Mais uma vez, sob o volante, ela iniciava sua segunda pausa do dia, seu break, seu freio, seu momento particular, a hora de quebrar a agitação e parar! Só que acelerando…

Por Renata Stuart

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