Relações que nutrem

Dia desses, em um avião, aceitei um pacote de biscoitos da companhia aérea e, logo quando li a tabela nutricional no verso da embalagem, resolvi devolvê-lo à comissária de bordo antes mesmo de abrir.

Não é por extremismo, mas tenho tentado ter mais consciência sobre as coisas que elejo para colocar em meu corpo. E tem me feito bem demais. 

Fiquei pensando em como seria se as pessoas também viessem com uma “tabela socioemocional” impressa, ajudando a gente a evitar relações não saudáveis antes mesmo de iniciá-las.

→ Imagine só:

[TABELA SOCIOEMOCIONAL]

Cuidado: alto teor de reclamação!
Atenção: doses elevadas de egoísmo
Excesso de vitimismo saturado – evite
Contém atitudes manipuladoras e/ou desagradáveis
Contato frequente pode causar danos a sua saúde mental 

→ Ou quem sabe:

Pobre de empatia 
Baixo teor de respeito
Carente de maturidade


Quantas relações já deixaram seu bem-estar emocional com sintomas de indigestão, azia ou até mesmo uma intoxicação severa?

É claro que não estou falando que devemos buscar relações perfeitas, que inclusive não existem. Todos temos defeitos e qualidades, luz e sombra, e boas relações costumam ser construídas, não chegam prontas. Mas acredito que existem questões que a gente está disposto a suportar, e outras que custam caro demais, como a nossa paz e os nossos limites. 

Tambem é certo que não temos escolhas sobre todas as pessoas que se relacionam com a gente. Às vezes, em certos ambientes, vamos ter que tolerar certo nível de contato com pessoas que preferiríamos nem conviver. Isso é a vida acontecendo, não dá para controlar tudo. 

Aliás, avaliando sob o viés de aprendiz da vida, são essas pessoas desafiadoras que, de alguma forma, nos estimulam a desenvolver certas virtudes, como ser menos reativo e ter mais autocontrole, ou a reafirmar quem somos, não dando tanto poder ao outro, e ao que ele diz, pensa, faz. Eu costumo dizer que essas adversidades me instigam a ativar o buda dentro de mim. (embora nem sempre eu consiga haha)

Mas, apesar dos aprendizados que essas convivências desagradáveis podem nos trazer, ninguém merece passar a vida lutando ou suportando situações só para se tornar mais “evoluído”. Chega uma fase em que a gente só quer paz.

Por isso, acredito que essa “tabela socioemocional” pouparia, sim, boa parte dos nossos recursos que são limitados, como tempo, energia, afeto e até dinheiro. 

A verdade, no entanto, é que essa tabela não existe, e não há como prever o que iremos encontrar nas andanças da vida.

Em certas esquinas, iremos nos dar conta de que desviamos do caminho que queremos para nós. E é nessa hora que precisamos ter coragem para dizer: “Isso não é para mim”, e então pegar uma nova rota.

Não é fácil, mas “às vezes temos que enxergar o que é, e não o que a gente quer que seja”, disse minha terapeuta. Deus me livre de manter pessoas ao meu redor pelo potencial que elas têm, e não pelo que elas são de fato. 

Quantas vezes não passamos por cima de quem somos para agradar os outros ou na esperança de que eles mudem? Acho que a vida adulta nos exige acabar com essa versão “boazinha”, que não diz não, engole sapo, releva atitudes que machucam ou se doa em excesso quando não estamos doando o suficiente nem a nós mesmos. 

Ser adulto(a) é aprender, acima de tudo, a se respeitar e a honrar os próprios recursos. Podemos e devemos servir e dar amor, mas apenas quando damos o que realmente temos e para pessoas que nos nutrem de volta, do contrário, não é servir; é se prejudicar, deixando nosso tempo, energia e afeto irem pelo ralo.

Aos poucos, a gente passa a distinguir quem nos pede algo com o coração aberto, disposto a receber o que pudermos oferecer naquele momento, de quem quer apenas nos sugar.

Então, assim como tenho sido mais cuidadosa com os alimentos que consumo – por causa da relação mais saudável que tenho tido com a comida – , tenho sido mais criteriosa com as relações que cultivo – como consequência do relacionamento mais saudável que tenho tido comigo mesma.

Quando você sabe o que oferece, você sabe também o que merece.

Estou longe de ser perfeita, erro e errarei muito. Mas se tem uma coisa que faço é me esforçar para cultivar trocas saudáveis, onde ingredientes básicos – mas altamente nutritivos – são respeito, honestidade, diálogo, valorização, admiração e apoio mútuo.

Nesse sentido, uma máxima que guardo é: quando alguém estabelece um limite e tem a coragem de me dizer que algo que fiz a magoou, não devo questionar. Só me resta reconhecer os sentimentos dessa pessoa e pedir desculpas de todo coração. O simples fato de ela ter aberto esse diálogo demonstra o quanto valoriza a nossa conexão. Caso contrário, ela simplesmente se afastaria sem maiores explicações.

Da mesma forma, se meu sentimento é tratado com desdém, está claro para mim que ali não é o meu lugar. Quero mesmo é estar com pessoas que valorizam o que sinto.

“Treine sua mente para ser mais forte que seus sentimentos e seus limites para serem mais fortes que sua empatia.” – vi essa frase recentemente e ela resume bem o que venho tentando fazer nesse terreno das relações.

Então, mesmo que seja doloroso, às vezes é necessário simplesmente deixar ir.

Afinal, aceitar o que me fere ou me causa algum desconforto, para que o outro fique confortável ou permaneça ao meu lado, é como escolher ao outro, ao invés de mim mesma. E se tem um compromisso que fiz comigo nessa existência, é que estou comigo, eu por mim, até o fim.

Espero que você também esteja consigo.

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