Sobre lar, voar, amar e morrer

Após uma temporada de quase três meses na casa dos meus pais, hoje eu parti. Não moro mais com eles há mais de dois anos e, por mais que já tenha passado por essa despedida algumas vezes, nunca fica mais fácil. Na verdade, parece ser cada vez mais difícil. Especialmente quando minha estadia é mais longa, como foi dessa vez. O pior é que, mesmo ficando um período maior, sempre saio com a sensação de que aproveitamos pouco. Parece que nunca é suficiente.

Uma vez vi um gráfico que mostra que, conforme nossa idade avança e saímos da casa dos pais, o número de encontros que teremos com eles é cada vez menor, já que naturalmente passamos a investir mais tempo em nosso próprio caminho. Me lembro de me apavorar com o número de encontros estimados de acordo com a idade dos pais. Esse gráfico ainda me atormenta.

Talvez para algumas pessoas que já saíram da casa dos pais há mais tempo ou se acostumaram a morar longe deles, tudo isso soe como um grande drama. Talvez eu seja só uma adulta que ainda não aprendeu a crescer.

Mas a verdade é que, por não ter uma casa fixa, vivo retornando a “minha casa”, a casa em que vivi por 30 anos da minha vida. Mas não volto apenas para visitar meus pais, volto para dormir, acordar, e vivenciar novamente uma rotina com eles, no meu quarto de sempre, como se tudo ainda fosse como antes, como se o tempo não tivesse passado.

Por um lado, é maravilhoso. Sentir de novo o gostinho da adolescência, ser embrulhada pelo cuidado da minha mãe nas pequenas coisas, colorir o dia a dia com conversas corriqueiras tomando café, aquelas coisas banais demais para telefonar para contar e que, obviamente, eu não saberia se não estivesse lá.

Por outro lado, nessa confusão entre quem fui e quem sou, e entre o que passou e o que é, temos sempre que vivenciar o corte outra vez. Dói pra mim. Dói pra eles.

Por mais que minha mãe insista, dizendo: “não me importo em passar por esse corte se é pra ter você aqui comigo todo esse tempão.”, eu sei o quanto ela sofre quando desapareço de novo, caindo a ficha de que sua menina não vive mais ali, e que aquela foi só mais uma temporada.

A verdade é que, mesmo que eu morasse numa casa pertinho deles, como minha irmã, o tempo juntos seria mais restrito aos finais de semana – quando possível – já que a independência de caminhar com as próprias pernas também vem com seus devidos afazeres e compromissos.

De que jeito se resolve, então, a vida que seguiu seu rumo, como tem que ser? Me contaram que crescer era bonito, mas não que iria doer. De que jeito a gente lida, então, com o medo de perder? Não apenas o perder de vista, pela falta de convivência, mas o perder de vez, pela finitude da existência.

Amar é ter vida e morte coexistindo o tempo todo. Vida porque é amando que a gente se sente vivo, e morte porque temos a certeza de que é por um tempo limitado.

Estando longe ou perto, o fim de quem amamos é certo. Estando jovens ou não, nossa partida é também a nossa única certeza.

E eu, que sempre namorei a vida, tenho tentado ao menos não ser mais inimiga da morte, começando pela tentativa de escrever ou falar sobre ela com naturalidade, sabe? Quero, pouco a pouco, quebrar esse tabu.

Não é fácil, ela me intimida, me afasta, e me causa sensações que não sei dar nome. Talvez porque eu já tenha sentido seu gosto amargo, quando perdi meu irmão de 15 anos e vivi o pior momento da minha vida. Eu tinha apenas 18 e, de fato, era uma menina que não havia aprendido a crescer, muito menos a aceitar uma perda assim.

Mas se a morte está tão presente o tempo todo – inclusive na morte de partes de nós, na morte de relações e na morte de fases que vem e passam – eu não quero mais ter tanto medo dela como uma criança tem medo do escuro.

Sei que é um longo processo até que eu seja realmente capaz de superar esse medo, se é que um dia serei. Por hora, enfrento ele de frente da maneira que encontrei: vivendo intensamente, amando muito e fazendo o que minha alma pede, ainda que doa.

Porque, como disse o poeta Rafael Vecchio, “se for pra morrer, que seja para descansar.”

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