Viva o nosso poder de escolha!

Desde que me entendo por gente, escuto minha mãe dizer: “A vida é feita de escolhas.” Não sei quem é o autor dessa frase, mas, para mim, é a minha mãe.

Estive visitando minha cidade natal nos últimos três meses, e no final da temporada, encontrei algumas amigas que não via há muito tempo. Numa manhã de sábado, fui a um brunch com Raíssa, que estudou comigo no ensino médio.

Na época da escola, Raíssa carregava em seu pescoço um colar com o símbolo da fertilidade e bradava a todos os cantos o quanto queria ser mãe. Hoje, aos 35, ela já tem três filhas, com idades de 14, 9 e 3.

 “Você não sonha em ser mãe, amiga?” – ela me perguntou enquanto tentava acalmar a caçula, que fazia alguma pirraça comum para crianças de sua idade.

– “Eu sempre achei que sonhava, amiga, por muito tempo. Até que, há alguns anos, comecei a me perguntar se eu realmente sonhava ou fui ensinada a sonhar. E percebi que não era algo tão meu assim.”, respondi.

Daí em diante, tivemos uma conversa franca e real sobre a vida, escolhas e caminhos. Papos profundos que, na época do ensino médio, não tínhamos maturidade o suficiente para ter. Ao mesmo tempo, ela dividiu comigo partes dolorosas de sua infância que antes não conseguia dizer em voz alta. Cada coisa no seu tempo.

Naquela manhã, pude entender um pouco mais do porque minha amiga, antes mesmo de terminar o colégio, já sonhava tanto em construir a própria família. Criada pela avó e depois pela tia, e carregando memórias de desamor na primeira infância, tudo o que Raíssa queria era uma família para chamar de sua, e poder dar todo o amor que um dia lhe foi negado.

Como poucas mães que conheci, ela foi super sincera sobre a maternidade, me contando sobre as dores e as renúncias acopladas à vida de mãe. Ela confessou, inclusive, que, se pudesse voltar no tempo, teria a primeira filha apenas hoje, aos 35, pois sente que perdeu experiências, como, por exemplo, viagens em casal, sem filhos. No entanto, naquela época, aos 21, ser mãe lhe parecia a decisão mais acertada.

Em 2023, muitas amigas minhas de 30+ engravidaram. Mesmo já tendo a decisão firmada dentro de mim, o tic tac do relógio ressoou tão alto que aproveitei para me confrontar uma última vez: “E aí, você realmente não quer? Tem certeza disso? O seu tempo está acabando.” Hoje, aos 33 anos, minha resposta é não. Pode ser que eu me arrependa um dia? Sim, é possível. Se assim for, terei de arcar com as consequências dessa escolha.

Escolha. Já notou a força que existe nesta palavra?

Embora minha mãe ame ser mãe – e é a melhor do mundo, inclusive – e afirme que isso foi a melhor coisa que lhe aconteceu, ela não tinha muitas escolhas disponíveis ao se casar, aos 22 anos. O caminho era esse e ponto, e dificilmente alguém questionava.

As mulheres que não queriam ser mães eram, inclusive, julgadas e rotuladas de egoístas. Hoje, felizmente, o mundo está mudando, e as pessoas estão entendendo que existem, sim, várias maneiras de ser feliz.

Não há uma fórmula única. Se não somos todos iguais, então por que nossas vidas devem ser? Algumas querem se dedicar apenas ao lar e aos filhos, outras preferem focar no trabalho e nos próprios projetos, outras se contentam em ser mães de pet, e outras querem um pouco de tudo, fazendo o melhor que podem como mães, esposas, profissionais, entre outras versões. Não tem certo e errado, estamos todas tentando. Estamos todas buscando o que faz mais sentido pra gente.

 

No meio do café, Raíssa acabou soltando a frase:
-”Ai, amiga, queria que você fosse mãe para me entender mais, a troca seria outra.”

Eu respondi:

– “Amiga, sei que não vivo o que você vive, mas não acho que seríamos mais conectadas se eu fosse mãe. Na verdade, o fato de termos vidas tão diferentes, e ainda assim, sermos amigas, só prova a força da nossa conexão.”

Queria ter dito à Raíssa que cultivar amigas que não têm filhos talvez seja uma ponte linda e importante com a mulher que ela é, e sempre foi, antes de receber o rótulo de “mãe”, mas essa resposta só surgiu agora, enquanto escrevo.

Seguindo a saga de rever as amigas, na mesma semana, fui visitar Fernanda, que teve sua primeira filha há apenas 3 meses. Ao mesmo tempo em que a vi mergulhando em um mar de descobertas e desafios diários, vi nos olhos dela a confiança de quem parece ter nascido sabendo tudo.

Entre surtos e choros que quase ninguém fala, mas enfrenta nessa fase que parece ser linda e perturbadora na mesma medida, Fernanda está renascendo com leveza e coragem ao lado de sua filha. Foi gostoso ver minha amiga feliz nessa nova pele.

– “Amiga, você acha que sabe o que é amor, até ser mãe. É uma coisa absurda.”, ela disse.

Não duvido da verdade dessas palavras. Gerar uma vida deve ser outro patamar na escala do amor. Mas, como ela mesma disse em seguida, “não sofremos por não ter aquilo que não conhecemos”. E a verdade é que cada um de nós só irá conhecer e viver aquilo que estiver disposto a experienciar, com todos os ônus e bônus.

Afinal, como diz minha mãe, nossa vida é feita de escolhas.
Então, se deixarmos que escolham por nós, com quem a nossa vida irá se parecer?

Hoje, no Dia internacional das mulheres, optei por falar da maternidade apenas como um exemplo do nosso poder de escolha. Algo que, sem dúvidas, é uma das maiores conquistas de nós mulheres. Poder escolher é revolucionário.

Pense em quantas de nossas ancestrais não puderam escolher o próprio caminho. Casar, muitas vezes, representava a porta da liberdade para sair da casa dos pais, e não uma escolha consciente. Outras sequer tinham autonomia sobre seus corpos, sujeitas a matrimônios arranjados ou estigmatizadas por expressar sua sexualidade. Algumas eram privadas da educação, forçadas a abandonar os estudos para casar ou cuidar da casa. Sem falar em tantas outras lutas já vencidas, e muitas ainda em processo, até porque tudo isso é tão recente.

Mas, por hoje, celebro o nosso poder de escolha, a nossa liberdade e a nossa autenticidade. Que possamos, ao exercer esse poder, honrar a todas aquelas que não puderam se expressar e caminhar livremente pelo mundo, tendo que aceitar abusos e imposições sobre como deveriam ser e viver.

Hoje – salvo exceções que infelizmente acontecem e não cabem neste texto – nós podemos, sim, escolher.

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